Inclusão no Mast: formação em acessibilidade cultural em tempos de pandemia
Karlla Kamylla Passos dos Santos, Josiane Kunzler, Sibele Cazelli e Simone Santana Rodrigues Elias
Resumo: Este capítulo tem como objetivo relatar e refletir sobre as recentes ações orquestradas pelo Grupo de Trabalho “Inclusão no Mast”, no âmbito do Museu de Astronomia e Ciências afins (Mast), no segundo semestre de 2020. A partir de uma inquietação sobre as ações educativas desenvolvidas durante o período de isolamento social, provocado pela pandemia do Covid-19, houve o entendimento da urgência em ouvir profissionais com e sem deficiências, sobre seus trabalhos em museus e a acessibilidade cultural.
Entre os meses de julho e novembro, foi realizado um ciclo de debates online com periodicidade semanal, com profissionais convidados/as pela Coordenação de Educação e Popularização da Ciência (Coedu) e aberto às demais coordenações e equipes, tornando possível uma ampla reflexão sobre acessibilidade cultural, abordando diversos temas como acessibilidade atitudinal, interseccionalidade, decolonialidade e assuntos relacionados a literaturas outras.
Introdução
O Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), criado em 1985, está localizado no Morro de São Januário, no bairro histórico de São Cristóvão, Rio de Janeiro (RJ), instalado em um campus com mais de 40 mil m² e abriga importante acervo do Observatório Nacional; totalizando mais de dois mil objetos representativos do Patrimônio Científico do Brasil, e dispondo de acervo com mais de 27 mil títulos em sua biblioteca Henrique Morize.
Por estar situado no cenário da concentração da história da ciência brasileira, juntamente com o Museu Nacional/UFRJ e o Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, o MAST tem contribuído de forma articulada para reforçar a paisagem científico-cultural das cercanias de São Cristóvão, com troca de experiências acadêmicas e de ações de pesquisa, ampliando e fortalecendo a disseminação da cultura científica e tecnológica da sociedade.
Entretanto, os problemas de acessibilidade do Museu são notáveis. As barreiras aparecem desde a sua entrada principal (cujo elevador se localiza após uma escadaria) e seguem pela ausência de intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras), de piso podotátil, audioguias etc., chegando a um dos elementos mais significativos do acervo do MAST e que é a “estrela” da ação educativa mais antiga da instituição: a centenária Luneta 21 (o número representa o tamanho de sua lente).
Junto a outros telescópios contemporâneos, ela é utilizada no Programa de Observação do Céu (POC) desde 1986, para observação com o público de fenômenos e corpos celestes. Porém, a mesma só pode ser alcançada e manipulada se subirmos em uma escada; estando localizada no segundo andar de uma cúpula, cujo acesso ocorre por meio de outra escada, agora mais estreita e curvada.
Embora a preocupação com a acessibilidade já estivesse presente no trabalho de um/a ou outro/a educador/a do MAST, essa pauta se tornou mais intensa e desafiadora para a equipe da Coordenação de Educação e Popularização da Ciência do MAST (Coedu) entre o primeiro e o segundo semestre de 2020. Algumas barreiras ficaram ainda mais evidentes durante a pandemia de Covid-19, quando a atuação do MAST passou a ser exclusivamente no chamado ciberespaço (desde março de 2020).
Entre as principais, pudemos identificar, inicialmente, a falta da janela de Libras e da audiodescrição em vídeos e imagens estáticas, tanto nos produtos quanto nas chamadas para participação do público; a exemplo das ações “Constelando Memórias” e “O céu que nos conecta”. Contudo, a ausência de pessoas com deficiência na equipe nos impunha um limite de atuação, revelando não só uma necessidade urgente de suprir essa demanda de pessoal, mas também de formar a equipe já existente no Museu como um todo, e não apenas de forma restrita à Coedu.
Na impossibilidade de atendermos imediatamente à primeira demanda, focamos a nossa atenção em uma proposta de formação adequada às novas condições de trabalho: acesso remoto e planejamento rápido. Assim, surgia o “Inclusão no MAST”, um ciclo de debates com o objetivo de criar um espaço de formação para o quadro de profissionais do MAST, no que tange à acessibilidade em museus.
O objetivo deste texto é apresentar essa experiência, sua realização, os temas abordados, as consequências deflagradas e as perspectivas futuras. Inserir a temática de acessibilidade durante uma crise sanitária que levava a sociedade ao isolamento tornou-se uma questão central para a Coedu, enquanto desafio urgente para estabelecer novos diálogos com a sociedade. A iniciativa mostrou-se desafiadora, especialmente por questionar as limitações institucionais para tratar o tema e por buscar envolver as demais coordenações.
Contextualização institucional
O MAST teve sua origem em um contexto marcado pela redemocratização do Brasil, na década de 1980. Ao lado de fatores circunstanciais, como a desocupação do prédio-sede do Observatório Nacional (ON), sua criação, na cidade do Rio de Janeiro, em 1985, resultou da mobilização de um grupo expressivo e notável de cientistas em torno do objetivo mais amplo de pesquisar, preservar e divulgar os acervos históricos do Observatório; tanto o arquivístico, quanto a preciosa coleção de instrumentos científicos; além de promover atividades voltadas para a divulgação da astronomia para o grande público.
O processo de revitalização e redemocratização política do país, além de fatores locais propiciaram o êxito de uma proposta inovadora. Poucas instituições nasceram tão completas como o MAST, que se iniciou vinculada diretamente ao principal órgão de fomento da ciência do país, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e que é, desde 2000, subordinada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Ao longo de pouco mais de três décadas, consolidou suas características de museu de ciência e tecnologia, no sentido amplo do termo: instituição de pesquisa voltada para história e educação em ciência, que privilegia a divulgação científica e a preservação do patrimônio nacional da ciência e tecnologia. A astronomia permaneceu na liderança em razão da importância da coleção de instrumentos científicos e do acervo arquitetônico oriundos do ON.
Os primeiros cinco anos do MAST foram intensos. Por meio de seu Setor de Dinamização muitos projetos, exposições, eventos, atividades na sua sede e ações extramuros foram desenvolvidos, para se firmar como espaço de produção e divulgação do conhecimento científico. O Museu abriu suas portas com a inauguração do “Parque da Ciência” e continuou trazendo público para a sua sede com o “Evento Halley”, em 1986 (observação do cometa através das centenárias Lunetas Equatoriais de 21 cm e 32 cm). O “Brincando com a Ciência”, projeto desenvolvido, no período de 1987-1997, para crianças na faixa etária de seis a 12 anos e a exposição interativa “Laboratório Didático de Ciências” (1988) foram realizações fundamentadas em princípios científicos que estimulavam o pensamento reflexivo, a capacidade de questionar e a criatividade do público.
Nos verões de 1987-1988-1989 foi concebido o projeto “O Museu vai à Praia” com o propósito de mostrar a ciência que está no dia a dia, cumprindo a função social de democratizar o acesso a informações referentes à astronomia, física etc. Este projeto foi reeditado em 2012-2013-2014 e concretizado em regime de parceria com outras instituições: Museu Nacional/UFRJ, Espaço Ciência Interativa/IFRJ e Secretaria Especial de Ciência e Tecnologia do município do Rio de Janeiro.
O MAST, nesse período, adquiriu uma experiência considerável na produção de recursos educacionais, atividades educativas e de divulgação/popularização da ciência, especificadas no seu plano diretor: “[…] difundir e popularizar a ciência e seus métodos, de modo a despertar vocações para a atividade científica, estimulando o pensamento crítico e favorecendo a compreensão do papel da C&T na vida social” (MORO, 1985). Este conjunto de ações está em total concordância com o Princípio 1 da Política Nacional de Educação Museal (PNEM), ou seja, “estabelecer a educação museal como função dos museus reconhecida nas leis e explicitada nos documentos norteadores, juntamente com a preservação, comunicação e pesquisa” (IBRAM, 2017, p. 4).
Na década de 1990, o Departamento de Dinamização, hoje Coedu, consolidou a ideia de ter um perfil de pesquisa, e não somente um setor que elabora e implementa programas ou atividades. Para tal, foi criado o Grupo de Pesquisa em Educação Não Formal em Ciências, um dos primeiros a desenvolver estudos em educação na área, em total alinhamento com as observações dos Itens 7 e 8 do Eixo II da PNEM: “fortalecer a pesquisa em educação em museus e em contextos nos quais ocorrem processos museais, reconhecendo esses espaços como produtores de conhecimento em educação” e “promover o desenvolvimento e a difusão de pesquisas específicas por meio de agências de fomento científico, universidades e demais instituições da área”, respectivamente (IBRAM, 2017, p. 6).
Atualmente, o tema da educação museal nos centros de ciência e museus é cada vez mais discutido, refletido e aprofundado na Coordenação. É nesse contexto e em conformidade com as orientações da PNEM, que os/as pesquisadores/as e educadores/as da Coedu vêm desenvolvendo suas atividades educativas. As concepções orientadoras têm sofrido significativas transformações, mas estão alinhadas com as pesquisas na área de educação em ciências e com a evolução dos modelos de comunicação pública da ciência. Fez-se e ainda se faz um grande esforço, no sentido de migrar dos modelos de déficit de conhecimento dos anos de 1980, para um modelo mais participativo e dialógico nas práticas educativas, a partir dos anos 2000.
O caminho percorrido por essa Coordenação do MAST, com mais de 30 anos de ações educativas e pesquisas, é intenso, apesar de os problemas típicos que acometem as instituições públicas, nas ainda jovens áreas de educação museal e de divulgação/popularização da ciência no Brasil. Em meio aos desafios, está a acessibilidade, em várias perspectivas, mas especialmente aquela relacionada às pessoas com deficiência.
O Museu, como um todo, não apresenta formas de acesso a esse público, como já mencionado, e a Coedu, mantendo o seu compromisso em garantir acesso e permanência a diferentes grupos sociais, empenhou-se na realização do “Inclusão no MAST”; uma ação inédita nesse sentido, durante um dos períodos mais críticos da história da sociedade contemporânea. Vale destacar, por fim, que outras iniciativas de inclusão já acontecem, ou aconteceram, pela Coedu. Podemos mencionar os projetos de pesquisa “Inclusão social via itinerância reversa: uma ação para ampliar o público do MAST”, com três tomadas de dados, 2006-2007, 2007-2008 e 2013-2014 (CAZELLI; FALCÃO; VALENTE, 2018) e o “Público Infantil em Museus de Ciência”, vigente desde 2017, além do projeto de divulgação/extensão “Meninas no Museu de Astronomia e Ciências Afins”, ativo desde 2016.
Fundamentação teórica
Mais do que uma questão de legislação, a acessibilidade diz respeito à responsabilidade com a cidadania, com os direitos e as liberdades fundamentais e com a função social dos museus (ONU, 1948; BRASIL, 2015). Nesse contexto, dois conceitos são amplamente utilizados: “inclusão” e “acessibilidade”. O primeiro visa, além de uma maior acessibilidade às instituições, o desenvolvimento de ações culturais que tenham impacto político, social e econômico, de curto a longo prazo (AIDAR, 2002). O segundo, envolve “um conjunto de adequações, medidas e atitudes que visam proporcionar bem estar, acolhimento e acesso à fruição cultural para pessoas com deficiência beneficiando públicos diversos” (SARRAF, 2008, p. 27).
Na proposta apresentada aqui, buscamos incluir inicialmente, para que então seja possível construir possibilidades de acessibilização a partir do lema “nada sobre nós, sem nós”. Além disso, o Caderno da Política Nacional de Educação Museal (IBRAM, 2018) prevê o “Eixo II – Profissionais, Formação e Pesquisa”, com foco no desenvolvimento da Educação Museal, tanto profissional quanto academicamente. No nosso caso, voltamo-nos mais à prática, embora esta seja embasada na teoria. Assim, a formação em acessibilidade no MAST envolve a compreensão, a problematização e a reflexão sobre as questões da educação museal junto às pessoas com deficiência.
Metodologia
A proposta tinha como público-alvo o quadro de pessoal de todo o MAST e consistiu em um ciclo de debates semanais, para o qual foram convidadas: i) pessoas com deficiência que atuam no campo museal; ii) pessoas com deficiência que atuam em áreas distintas; iii) pessoas sem deficiência que atuam na área de inclusão e acessibilidade em museus. A programação, construída coletivamente, entre profissionais da Coedu, e disponibilizada no quadro abaixo, era enviada mensal e semanalmente, em formato de convite, por meio do Informast (sistema de comunicação interna do Mast via e-mail), para todos/as os/as profissionais das áreas meio do Museu, das suas coordenações finalísticas e de seu serviço de comunicação social.
Quadro 1: Programação do Ciclo de Debates “Inclusão no MAST”
Data | Convidada/o | Condição | Estado | Instituição | Tema central da fala |
20/07/2020 | Leonardo Oliveira | 1 | RJ | Museu Histórico Nacional | Inserção da pessoa com deficiência no setor educativo |
29/07/2020 | Rodrigo Machado | 3 | RJ | Museu de Ciências da Terra | Atividades educativas com diversos públicos no MCTer |
03/08/2020 | Hilda Gomes | 3 | RJ | Museu da Vida | Construção de uma política institucional de acessibilidade no MV e na Fiocruz |
12/08/2020 | Bruno Baptista | 1 | RJ | Museu do Amanhã | Presença e importância de educador/a museal surdo |
19/08/2020 | Armando Nembri | 2 | RJ | Fiocruz | Acessibilidade atitudinal |
24/08/2020 | Aline Rocha | 3 | RJ | Museu da Geodiversidade | Exposições e ações educativas mais acessíveis no MGeo |
03/09/2020 | Profissionais MAUC | 1 e 3 | CE | Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará | Atividades educativas inclusivas no MAUC |
09/09/2020 | Solange Mª da Rocha | 3 | RJ | Instituto Nacional de Educação de Surdos | Processos vivenciados com pessoas surdas |
14/09/2020 | Eduarda Emerick | 1 | RJ | Ex-estagiária Museu Nacional | Experiência formativa de uma pessoa cega em museu de história natural |
21/09/2020 | Deborah Prates | 1 | RJ | – | Capacitismo, Interseccionalidade e decolonialidade, Acessibilidade atitudinal |
30/09/2020 | Gabriela Aidar | 3 | SP | Pinacoteca | Acessibilidade e inclusão em museus, Interseccionalidade |
05/10/2020 | Isabel Portella | 1 | RJ | Museu da República | Concepção de exposição acessível |
14/10/2020 | Priscila Romero | 2 | RJ | – | Acessibilidade de pessoas com Transtorno do Espectro Autista em museus |
19/10/2020 | Daina Leyton | 3 | SP | – | Acessibilidade e inclusão na mediação cultural |
09/11/2020 | Vera Lucia Souza | 3 | RJ | Universidade Federal do Rio de Janeiro | Acessibilidade cultural para pessoas com deficiência intelectual |
Fonte: Quadro realizado pelas autoras a partir da organização do ciclo de debates.
Buscamos com isso, conhecer as experiências, demandas e expectativas das pessoas com deficiência e, ao mesmo tempo, vislumbrar com elas algumas possibilidades de acessibilizar o MAST; o que seria complementado no nível prático, com a apreciação das realidades das outras instituições, cuja atuação voltada à acessibilidade já fosse mais consistente. As reuniões aconteciam por meio de webconferências, via Google Meet, ferramenta de uso gratuito pela equipe do MAST, ou Zoom, dependendo da pessoa convidada, principalmente aquelas com deficiência visual. Essa ferramenta, embora limitada na versão gratuita, se mostrou muito mais acessível a pessoas com deficiência.
Além dos debates, precisam ser também mencionadas a criação de um drive coletivo, atendendo à necessidade de compilar toda a documentação gerada pela formação (gravações das conversas; produções acadêmicas; leis e outros materiais); e a Oficina Básica de Audiodescrição, com Rodrigo Machado, visando rápida instrumentalização em resposta à criação da página “MAST Educação”, no Facebook, em setembro.
Análise de dados e discussão de resultados
Considerando as pessoas ouvidas e os temas explorados por elas, a formação abordou as quatro naturezas de impedimento a longo prazo, enumeradas pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência: física, mental, intelectual e sensorial. Contudo, as pessoas cegas foram as mais frequentes.
A participação no ciclo foi basicamente de pessoas da equipe da Coedu, sendo notável a ausência das demais áreas e das coordenações finalísticas, exceto pela participação pontual de alguns profissionais da comunicação social; o que pode ser explicado por dois fatores: i) o contexto de trabalho remoto e de excesso de tarefas em tal período; ii) o ineditismo da ação e do seu caráter mais transversal.
Entre os tópicos abordados pelas pessoas com deficiência, destacamos: i) a acessibilidade atitudinal como elemento primordial; ii) dificuldades, desafios e soluções ao trabalhar e/ou ser público de museu; iii) necessidade de superação do capacitismo pela sociedade; iv) influência na transformação das atitudes, das ações oferecidas à sociedade e da política institucional, por meio da participação de pessoas com deficiência em equipes de instituições culturais; v) a deficiência em relação a questões decoloniais, interseccionais e feminismos – poderíamos afirmar que há uma estratigrafia da exclusão, na qual a mulher com deficiência está à margem de toda a sociedade; vi) preconceito e isolamento ao longo da vida – a experiência que estamos vivendo em sociedade durante a pandemia é a realidade permanente de muitas pessoas com deficiência.
Entre os tópicos abordados pelas pessoas sem deficiência, acerca da experiência de museus onde trabalham, apontamos:
i) diagnóstico da instituição como etapa inicial para acessibilizar o espaço, marcando a importância de o museu estar alinhado com o Estatuto de Museus;
ii) interesse e envolvimento com o tema, majoritariamente das equipes de educação, corroborando a situação deflagrada no MAST e podendo explicar-se tanto pelo contato direto dessa equipe com o público, quanto por se tratar de um tema que permeia as discussões teóricas e práticas do campo da educação;
iii) resistência institucional no estabelecimento de uma política oficial ou extraoficial;
iv) importância da formação de pessoal, mesmo que a rotatividade seja uma constante – uma vez que a formação em acessibilidade é social e não se aplica somente à prática profissional, tampouco somente aquela instituição;
v) importância das parcerias;
vi) necessidade de consideração das diferenças entre as instituições – dimensões, acervo, histórico…;
vii) relevância do envolvimento da administração e da gestão do museu para a consistência das ações;
viii) olhar para a acessibilidade global, mas sem paralisar na busca por ela, selecionando, quando necessário, uma deficiência específica para desenvolver ações a respeito.
Destacamos uma fala marcante de uma de nossas convidadas: “Se a instituição não está servindo ao público, tem que apagar a luz e fechar a porta”. Para ela, servir ao público deve incluir pessoas com deficiência, inclusive em prédios históricos, que podem ser modificados para maior acessibilidade; visto que já foram alterados de sua forma original para se tornarem museu.
No que diz respeito ao MAST, em específico, a falta de acessibilidade ficou evidente entre as falas dos/as participantes. Um educador com deficiência nos questionou como podem aprender astronomia, com a falta de acessibilidade no Museu. Por outro lado, o ciclo de debates foi reconhecido como uma iniciativa positiva, na intenção de transformar esse cenário, e diversas parcerias foram sugeridas.
De forma geral, foram abordadas ainda a falta de acessibilidade cultural, como um problema estrutural da sociedade, e a necessidade de se dar protagonismo às pessoas com deficiência incluindo-as de duas formas: na concepção das ações e nas equipes dos museus. Não podemos restringi-las a visitantes. Além disso, também foi mencionado outro aspecto de interseccionalidade relacionado às pessoas com deficiência: grande parte delas não tem formação escolar completa e não é incluída nos museus, os quais têm profissionais e públicos privilegiados. Foram muitas as questões assimiladas durante a formação, mas não é possível abordar todas aqui. Levamo-las para a vida profissional e pessoal.
Considerações finais
As condições impostas pela Covid-19 demandaram uma rápida resposta da equipe e, se não éramos capazes de promover a acessibilidade imediata, deveríamos aproveitar a ocasião para nos prepararmos enquanto profissionais e pessoas. O ciclo de debates “Inclusão no MAST” atendeu a esse propósito e nos permitiu, além de identificar muitas outras barreiras inicialmente não percebidas, vislumbrar possibilidades de solução e parcerias para alcançá-las.
Observamos, satisfatoriamente, que a acessibilidade já se tornou uma pauta mais consistente da Coedu e que o debate já começou a se tornar prática no Museu. Em pouco tempo, vimos atitudes mudarem não só no âmbito da Coordenação, mas também do administrativo e da comunicação institucional, mesmo que a participação nas discussões tenha sido praticamente restrita a uma parcela da equipe da educação. Ainda que seja muito pouco, aprendemos que é melhor começar, que é preciso ação; como alguns/mas convidados/as ressaltaram.
Entre as iniciativas podemos citar:
i) a acessibilização de um projeto de adequação física do Museu, submetido para financiamento, a partir de uma parceria entre a Coordenação de Museologia (Comus) e a Coedu, com a consultoria de Isabel Portella (em um acordo de cooperação técnica em tramitação, entre MAST e Museu da República);
ii) a aplicação das reflexões do ciclo de debates em nossas ações educativas, a exemplo de audiodescrição com a #ParaTodosVerem em todas as imagens no MAST Educação;
iii) a realização da Observação Virtual do Céu e da palestra “Você sabe o que é capacitismo?” com Débora Prates, de forma acessível, com intérprete de Libras e audiodescrição, ao longo de toda a programação;
iv) a disponibilização de um questionário para pessoas com deficiência, em português e em Libras, durante a 14ª Primavera dos Museus – “Mundo Digital: Museus em Transformação”;
v) a contratação de intérpretes de Libras para alguns dias do ciclo de debates e ações pontuais.
Entretanto, reconhecemos que a ação aqui apresentada foi certamente somente um primeiro passo em direção à acessibilidade do MAST, começando pela atitudinal, ao visarmos o debate e a reflexão como práticas institucionais. Assim, propomos que o “Inclusão no MAST” passe a configurar um Grupo de Trabalho oficial, orientado por um projeto institucional e voltado tanto à formação permanente do pessoal do MAST, como à realização de ações para, mas principalmente com, as pessoas com deficiência; baseando-se na pesquisa em educação, como já é da natureza da Coedu, e ressaltando a necessidade de a Coordenação e do Museu, de forma geral, ter em sua equipe pessoas com deficiência.
Por fim, também acreditamos ser necessária a composição de uma comissão permanente sobre acessibilidade no MAST, integrada por profissionais diversos/as, do Museu e de outros locais, para que essa não seja uma ação momentânea.
Ao inserirmos a reflexão sobre a qualidade dos espaços, estratégias e formas de comunicação no âmbito do Museu de Astronomia e Ciências Afins, abre-se uma nova possibilidade institucional, que esperamos ser fortalecida no futuro próximo. Mais do que adequar os espaços de forma contínua, seguindo a legislação pertinente, a busca pela acessibilidade e pela inclusão cada vez mais ampla é uma tarefa inadiável a essa instituição, que tem como missão “ampliar o acesso da sociedade ao conhecimento científico e tecnológico por meio da pesquisa, da preservação de acervos, divulgação e história da ciência e da tecnologia no Brasil” (MAST, 2017).
Ao inserirmos, nos projetos institucionais, a afirmação de que a nossa sociedade é diversa e composta por cidadãos/ãs com diferentes condições e necessidades, apontaremos, certamente, para o caminho da eliminação das barreiras rumo à sociedade do conhecimento. Estamos certas de que a educação é o único caminho para o fortalecimento de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Referências
AIDAR, Gabriela. Museu e inclusão social. Revista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras. Porto Alegre: Ciênc. Jet. 2002. n. 31, p. 53-62.
BRASIL. LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 25 out. 2020.
CAZELLI, Sibele; FALCÃO, Douglas; VALENTE, Maria Esther. Visita estimulada e empoderamento: por um museu menos excludente. Caderno Virtual de Turismo. Dossiê Temático: II Seminário Nacional de Turismo e Cultura da Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 66-84, abr. 2018. ISSN 1677 6976. Disponível em: <http://www.ivt.coppe.ufrj.br/caderno/index.php/caderno/article/view/1488/566>. Acesso em: 17 jan. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.18472/cvt.18n1.2018.1488
IBRAM – INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Documento Preliminar da PNEM. Brasília: Ibram, 2017. Disponível em: <http://pnem.museus.gov.br/wp-content/uploads/2012/08/DOCUMENTO-PRELIMINAR1.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2020.
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MUSEU DE ASTRONOMIA E CIÊNCIAS AFINS. Plano Diretor do MAST 2017 – 2021: planejamento estratégico do MAST. Rio de Janeiro: MAST, 2017. Disponível em: < http://portal.mast.br/images/pdf/PDU_Redacao_Final_24-07-2017.pdf>. Acesso em 19 jan. 2021.
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SARRAF, Vivine Panelli. Reabilitação do museu: políticas de inclusão cultural por meio da acessibilidade. (Dissertação), Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/D.27.2008.tde-17112008-142728