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Práticas inclusivas em Unidades de Conservação: o caso do Parque Nacional do Itatiaia (RJ)

Kemily Toledo-Quiroga, Thiago de Souza Gonzalez e Andréa Espinola de Siqueira

Resumo: O Parque Nacional do Itatiaia (PNI), o primeiro parque nacional do país, é uma Unidade de Conservação (UC) de relevância para a região, valorizado tanto como atração turística, por suas belezas naturais, quanto pelo seu papel como área de proteção ambiental e espaço não formal de ensino. A partir da necessidade de buscarmos formas de sensibilização ambiental, interpretação ambiental e inclusão nos espaços naturais como uma forma de transformar a relação entre os indivíduos e o ambiente, destacamos o potencial desta UC como locus para essas ações.

Neste capítulo, relatamos as ações do PNI no âmbito da acessibilidade e inclusão. Por meio de idas ao local, levantamentos bibliográficos e documentais, além de visitas técnicas de especialistas em acessibilidade de diferentes áreas de formação e da legislação e normativa existentes, várias ações foram propostas e avaliadas, incluindo a estruturação de um programa de acessibilidade e inclusão em 2019. Embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido, o PNI tem se dedicado em relação à questão da acessibilidade e entende que essa demanda é um esforço contínuo.

Introdução

Unidades de Conservação (UC) são áreas de preservação ambiental protegidas por lei. Elas são divididas em diversas categorias, as quais se enquadram em áreas de uso sustentável e áreas de proteção integral, em que apenas o uso indireto de seus recursos naturais é permitido. Dentre as últimas, podemos citar os parques nacionais, importante tipo de UC, uma vez que o uso público está previsto. Dessa forma, atividades de educação ambiental constituem um dos objetivos dessa categoria, juntamente com as práticas de interpretação ambiental (BRASIL, 2000).

A interpretação ambiental, segundo o Ministério do Meio Ambiente, é um método comunicacional em que há uma transposição da linguagem da natureza, seus processos e sua inter-relação com o homem, para uma linguagem acessível aos visitantes de modo que eles possam, em consequência, valorizar o ambiente e a cultura local (BRASIL, 2006). A interpretação ambiental constitui uma importante ferramenta para o manejo de UCs, podendo auxiliar tanto em questões de impactos sociais positivos quanto de impactos econômicos favoráveis, em consequência da visitação, culminando num processo de sensibilização do visitante em relação à natureza e à cultura ali exposta (CAETANO et al., 2018).

O Parque Nacional do Itatiaia (PNI) é o primeiro Parque Nacional do Brasil, criado em 14 de junho de 1937 pelo então presidente Getúlio Vargas (BRASIL, 1937). Localiza-se na Serra da Mantiqueira, no Maciço do Itatiaia, entre os estados do Rio de Janeiro (municípios de Itatiaia e Resende) e Minas Gerais (municípios de Itamonte e Bocaina de Minas), próximo ao estado de São Paulo, e representa uma importante área de conservação dos remanescentes da Mata Atlântica da região. Possui inúmeros atrativos, entre os quais o centro de visitantes (CV), caracterizado como um museu, de acordo com o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM, 2011), além das exposições museais nas quais ocorrem, diariamente, práticas educativas voltadas para a educação e a interpretação ambiental (Fig. 1).

Imagem da fachada do centro de visitantes do Parque Nacional do Itatiaia. É uma construção de três andares, de cor rosa claro. O andar térreo possui a parede formada por pedras. Centralmente, há uma projeção arredondada, com janelas em todo o contorno, inclusive na torre, que corresponde a um quarto andar. A porta, centralizada, desemboca numa escadaria que se alarga até a base da imagem.
 Figura 1: Centro de visitantes Prof. Wanderbilt Duarte de Barros, Parque Nacional do Itatiaia. Fonte: Acervo pessoal de Toledo-Quiroga (autora).

A realização dessas práticas, em conjunto com as atividades sensoriais em espaços não formais, pode possibilitar o desenvolvimento de distintas capacidades e habilidades motoras, contribuindo para facilitar a inserção da pessoa com necessidades educacionais especiais no mundo. O contato direto com a natureza auxilia e estimula a aprendizagem e a valorização da fauna e da flora locais, que estão sob constante perigo de extinção devido às ações antrópicas (CAVALCANTE; MOURA, 2014).

A partir das reflexões suscitadas com o público visitante, é possível atingir outras pessoas, formando uma rede de transferência de conhecimentos e, dessa forma, ampliar as possibilidades de alcance das populações (local e adjacente), sensibilizando-as indiretamente por meio do contato direto do professor com o aluno na natureza.

Os museus são importantes espaços educativos e de divulgação científica. O termo espaços não formais de ensino, embora utilizado de maneira heterogênea por pesquisadores da área da educação, refere-se àqueles locais fora dos territórios da escola ou outras instituições de ensino, cuja ação educativa é dotada de intencionalidade, e nos quais a produção dos sujeitos possui caráter social, político e cultural (MARANDINO et al., 2004; GOHN, 2015).

Visitas a museus – espaços não formais de ensino – possuem alto potencial didático e oferecem um leque de possibilidades para ações pedagógicas. O processo de ensino-aprendizagem envolve tanto a dimensão cognitiva quanto a afetiva. Os museus são importantes espaços educativos de divulgação científica. As atividades de educação ambiental em espaços não formais de ensino possibilitam a interação com ambientes naturais, como o de uma unidade de conservação da natureza. Dificilmente o visitante teria essa experiência em outros formatos, constituindo-se, assim, uma experiência única ao público-alvo (DIAS, 2004).

Sendo o museu em questão parte de uma unidade de conservação, há muitas especificidades em relação à acessibilidade. Assim, apresentamos neste capítulo alguns dos obstáculos enfrentados e soluções encontradas ao pensar na inclusão de pessoas com deficiência (PcDs) em áreas naturais.

Metodologia

            A pesquisa, que dá contornos a esse capítulo, é de cunho explicativo, utilizando registros das atividades desenvolvidas de 2016 a 2020 no Parque Nacional do Itatiaia, em conjunto com a análise e a interpretação dos dados sobre os fenômenos observados (MENDONÇA, 2017).

            Os procedimentos utilizados foram: documental, baseado em documentos não analisados previamente e em relatórios das atividades desenvolvidas; bibliográfico, ao relacionar as publicações atuais sobre o assunto presentes em livros, revistas, artigos científicos, boletins, monografias, dissertações, teses e internet para fundamentar a autenticidade dos dados; e pesquisa de campo, ao promover a observação e a análise de fatos e acontecimentos espontâneos no próprio local (MENDONÇA, 2017).

            A abordagem dos dados utilizada nesta pesquisa foi qualitativa, na qual registram-se dados quando o ambiente natural é a origem deles, buscando descrever os processos envolvidos em tais atividades, além dos produtos ou resultados (BODGAN; BIKLEN, 1994). Os dados foram analisados de maneira indutiva, evidenciando a interpretação e a significação sobre determinado tema.

Resultados

Nos anos recentes, o Parque Nacional do Itatiaia vem investindo seus esforços no quesito acessibilidade e inclusão. Vale ressaltar que o marco de 2016 (utilizado como data inicial para essa pesquisa) não corresponde a um ponto de origem, mas a uma época de emergência do tema no âmbito do setor educativo e de pesquisa nesta UC, porque, além de repensar as práticas de educação ambiental produzidas no centro de visitantes, a coordenação de pesquisa e monitoramento do parque passou a incentivar o cadastro de pesquisas acadêmico-científicas sobre acessibilidade e inclusão.

Com o surgimento de diversos projetos simultâneos relacionados ao tema, em 2019 a equipe do PNI viu a necessidade do estabelecimento de um programa de acessibilidade e inclusão, que abarcasse essas tantas iniciativas desenvolvidas por servidores, voluntários e pesquisadores, cuja principal esfera de atuação residiria nas atividades realizadas pelo centro de visitantes. Essa escolha justifica-se pelo CV ser o principal foco da visitação pelas escolas e público em geral e, por isso, o primeiro espaço onde a acessibilidade foi pensada no parque.

Desde a revitalização do centro de visitantes no ano de 2017, em comemoração aos 80 anos do PNI, a reforma já se fez sensível a adaptações mínimas de acessibilidade física. No entanto, uma pesquisa sobre a avaliação da acessibilidade no CV apontou outros parâmetros que se encontravam defasados: a acessibilidade cultural e a atitudinal (TOLEDO-QUIROGA, 2019). A partir dessa nova mentalidade, o parque passa a concentrar suas ações nas barreiras comunicacionais e informacionais do seu acervo quase que estritamente visual.

As exposições do centro de visitantes não eram acessíveis a cegos e pessoas com baixa visão, bem como a surdos, já que as informações estão dispostas em textos impressos em tinta e nas línguas portuguesa e inglesa somente. No entanto, uma força motriz para repensar a própria concepção de um museu dentro de uma unidade de conservação foi o aprimoramento da trilha sensorial, presente no jardim do centro de visitantes. A trilha, apesar de fora da delimitação arquitetônica do centro, é parte integrante e fundamental dele, pois permite uma vivência de interpretação ambiental para além de quatro paredes, a apenas alguns metros de distância, e funciona como uma atividade complementar à visitação da área construída, agora com foco na interatividade com os espécimes vegetais ali dispostos.

A trilha sensorial do Parque Nacional do Itatiaia é considerada uma trilha interpretativa guiada natural temática, com 85 metros de extensão, de baixo esforço físico, podendo ser percorrida em aproximadamente uma hora quando utilizadas abordagens interpretativas. Sua temática é voltada para a conservação ambiental e a preservação da natureza.

A proposta de aplicação do guia é que o visitante faça o trajeto descalço, promovendo intensa estimulação sensorial. Nela, os cinco sentidos podem ser explorados, promovendo uma experiência sensitiva, interativa, participativa e cidadã. Um importante aspecto no que diz respeito à inclusão é que a trilha não foi concebida para pessoas com deficiência, e sim para todas as pessoas, respeitando-se as diferentes habilidades e características (Fig. 2 e 3).

Num ambiente gramado, há um homem de camisa preta agachado em frente a um toco de madeira que contém uma planta em cima. Há outro toco ao lado e, em primeiro plano, uma bromélia que cobre parcialmente o homem. Do outro lado do toco que o homem manipula, há crianças que vestem uniforme azul observando o homem e a planta que ele toca. Uma menina de cabelo preso e unha rosa também toca a planta. Ao lado dela, um menino com aparelho auditivo observa de perto. Em último plano, há outras pessoas que também observam a cena.
 Figura 2: Visita monitorada à trilha sensorial com alunos surdos da Escola Municipal Bilíngue Rompendo o Silêncio (2018). Fonte: Acervo pessoal de Eric Roberty.
Em primeiro plano, há uma mulher de perfil, de pele branca, cabelo curto, usando óculos escuros e um aparelho auditivo. Ela usa um relógio sonoro. Atrás dela, parcialmente oculta, uma mulher grisalha e de óculos está sorrindo e segurando o braço da outra mulher, guiando-o em direção a um tronco de árvore, que aparece em todo o canto direito da imagem. Ao fundo, observa-se um cenário natural, com gramado e outras árvores e arbustos.
Figura 3: Visita monitorada à trilha sensorial com alunos cegos e com baixa visão do programa Gente Eficiente (2018). Fonte: Acervo pessoal de Eric Roberty.

No guia, os assuntos são apresentados a partir dos cinco momentos sugeridos com base nas divisões do trajeto em: alongamento dos biomas, solo sensorial, jardim sensorial, Brasil sensorial e raiz sensorial. Diferentes abordagens interdisciplinares são sugeridas para cada divisão dessa atividade, incluindo informações, como o tempo estimado em cada momento, os sentidos que podem ser explorados em diferentes espécimes vegetais (ex.: tato, olfato), as disciplinas escolares relacionadas e, por fim, uma proposta de conteúdos curriculares que podem ser comentados de forma complementar [1] (GONZALEZ et al., 2019).

Algumas abordagens são de particular interesse para provocar as reflexões propostas. A fim de exemplos, trazemos o solo sensorial: nele, estão dispostas faixas de rochas de decrescentes tamanhos e diferentes texturas, seguidas de uma faixa de areia. A intenção é abordar o intemperismo e a formação de solos. Em outro momento, no jardim sensorial, destacam-se as mudas sensitivas, em que um maior número de sentidos é explorado. No momento do Brasil sensorial, há um exemplar de pau-brasil. Nessa ocasião, propõe-se abordar as questões históricas, relacionando a invasão portuguesa ao território indígena, bem como as sucessivas ações de desmatamento no Brasil e, especificamente, no entorno do parque, região largamente explorada no ciclo do café.

Por ser uma proposta tão rica e de longa duração, a trilha não é amplamente explorada nas visitas cotidianas das escolas do entorno. Assim, ela é mais bem desfrutada em eventos maiores, a exemplo da semana da acessibilidade, que acontece anualmente no Parque Nacional do Itatiaia em setembro, preferencialmente incluindo o dia 21 de setembro – Dia nacional da luta das pessoas com deficiência.

A I Semana da Acessibilidade do PNI aconteceu em 2017 e contou com a presença de alunos – entre adultos e crianças – do Centro Educacional Municipal de Atendimento a Deficientes Visuais de Resende (CEDEVIR). Essa experiência foi muito rica para o parque, tensionando o entendimento da equipe do setor educativo sobre as próprias práticas de educação ambiental desenvolvidas ali. O interior do centro de visitantes possui informações quase que estritamente visuais, propiciando uma experiência pouco significativa para os cegos e pessoas com baixa visão. Dessa forma, a trilha sensorial revelou-se peça-chave na ocasião. Essa foi a devolutiva do grupo de adultos cegos e com baixa visão, que foi posteriormente entrevistado a fim de levantar dados sobre as barreiras existentes no CV. A partir dessas entrevistas, o PNI voltou seus esforços para pensar em soluções para os empecilhos informacionais, a fim de alcançar a acessibilidade cultural.

Em 2018, na II Semana da Acessibilidade, o entendimento do parque em relação à acessibilidade e à inclusão era outro: ele foi ampliado a partir das pesquisas desenvolvidas sobre o tema. A semana ganhou um logotipo, firmando sua periodicidade e seu espaço político no calendário do parque. Nesse ano, além do CEDEVIR, o evento contou com a presença da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Resende, Itatiaia e Barra Mansa; da Sociedade Pestalozzi de Resende; do Programa Gente Eficiente, de Resende, e da Escola Municipal Bilíngue Rompendo o Silêncio, também de Resende.

Se comparada com a primeira edição, a II Semana representou um importante marco para a temática no parque: a acessibilidade atitudinal entra em jogo e o próprio entendimento do evento muda. Agora, ele não é mais visto somente como uma oportunidade de visitação focada para o público com deficiência, mas também como um importante espaço de divulgação acerca dos direitos das PcDs para os visitantes em geral. Discutir a acessibilidade às informações é um assunto que não pode se restringir ao público com deficiência e tampouco ser debatido sem ele; a democratização dos espaços culturais é um direto e um dever de toda a sociedade.

O debate acerca das barreiras atitudinais atingiu outras esferas: o PNI investiu, então, na capacitação de seus recursos humanos, a fim de superar os obstáculos da discriminação – intencional ou não – por parte de seu pessoal que atende o público. Outro movimento muito importante foi uma atividade de capacitação com os funcionários da manutenção, responsáveis pelo manejo da trilha sensorial.

“Por favor, retirem seus sapatos”, solicitamos à equipe da manutenção. Entre olhares curiosos e desconfiados, aos poucos eles atenderam ao pedido. Nós, então, iniciamos a atividade guiada na trilha da mesma maneira que fazemos com os visitantes, acrescentando informações mais relacionadas aos cuidados com o espaço em si. Após o percurso, conversamos com esses funcionários sobre a prática realizada e estimulamos um debate sobre a importância da acessibilidade e da inclusão. Foi notável, desde então, o envolvimento afetivo desses trabalhadores com a trilha, onde passaram a redobrar a atenção e os cuidados com a sua manutenção.

Além da experiência supracitada, diversas ações de capacitação tanto em relação ao debate de acessibilidade e inclusão quanto à aplicação da trilha e ao guiamento no interior do centro de visitantes foram realizadas com os voluntários do programa de voluntariado do PNI. Apesar de não possuir vínculo formal com o parque, escolhemos esse público específico, pois ele é o maior responsável pelo atendimento direto ao visitante.

O debate sobre a acessibilidade cultural não foi esquecido: o acúmulo das pesquisas apresentou novas possibilidades para solucionar o obstáculo informacional presente no centro de visitantes e na busca por elementos de tecnologia assistiva que contemplassem a acessibilidade cultural das exposições. A equipe do programa de acessibilidade e inclusão buscou profissionais do ramo da audiodescrição. Em maio de 2019, os produtos de audiodescrição – dois vídeos (um deles também ganhou uma janela com interpretação em Libras) e cinco imagens estáticas que compõem a exposição do CV – foram entregues ao parque. No entanto, só foram lançados oficialmente durante as comemorações do aniversário de 82 anos do PNI em 14 de junho de 2019.

Em face do estreito relacionamento com a comunidade local com deficiência, bem como as instituições já citadas, o parque realizou a validação de tais produtos acessíveis, antes de sua estreia oficial, com dois tipos de públicos: 1) cegos e pessoas com baixa visão: alunos do CEDEVIR e do Programa Gente Eficiente, ambos de Resende, visitaram o parque para apreciar os produtos de audiodescrição; 2) surdos e intérpretes de Libras: o parque foi à Escola Municipal Bilíngue Rompendo o Silêncio, em Resende, para apresentar um dos vídeos com acessibilidade que, por contar com uma narração, ganhou uma janela com intérprete de Libras.

Trazemos, então, o relato de um adolescente, aluno do CEDEVIR, sobre um dos vídeos com acessibilidade[2] por meio da audiodescrição:

A voz da mulher estava bem tranquila, suave. E com a música, se encaixava. Ela narrava com uma profundidade, não narrava como um robô, mas você via ela colocando a alma dela ali na narrativa, tendo aquela claridade… aquela narrativa que você vê que parece que ela ao mesmo tempo faz parte do vídeo, entendeu? Isso eu gostei! E o vídeo também gostei. Achei muito legal. Eu gostei muito da música. Tem uma música de glória… de tristeza, ao mesmo tempo (informação verbal).

Dessa forma, nas comemorações pelo aniversário do parque, o tema da acessibilidade ganhou destaque: foram apresentados o programa de acessibilidade e inclusão e os novos produtos de acessibilidade cultural. A Escola Municipal Bilíngue Rompendo o Silêncio apresentou duas músicas com o coral de Libras. Este dia, que contou com a presença de autoridades públicas locais e nacionais, o Guia de campo da trilha sensorial do Parque Nacional do Itatiaia foi oficialmente lançado, após apresentação oral aos convidados e autoridades do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) presentes no evento.

Sobre os produtos estreados, os vídeos foram exibidos no auditório, durante a cerimônia. Já as audiodescrições das imagens estáticas foram apresentadas por meio de fones de ouvidos, localizados próximos às vitrines com a informação imagética audiodescrita. Além do exposto, o centro de visitantes contou com a 1ª Mostra de Desenhos e Textos do PNI, cujo tema foi Acessibilidade e os serviços da biodiversidade. A exposição foi realizada a partir de desenhos e textos de alunos (da pré-escola ao ensino médio) que visitaram o parque no mês ou receberam uma visita da equipe do PNI em suas escolas.

Em setembro de 2019, ocorreu a III Semana da Acessibilidade do parque, que já contou com os produtos de acessibilidade cultural. Essa edição começou a ganhar aspectos mais acadêmicos: foi realizada uma mesa redonda com especialistas da área e profissionais da educação especial do entorno. Aos poucos, a questão da acessibilidade e da inclusão foi se capilarizando nos espaços diversos do parque: no conselho consultivo, na câmara temática de educação ambiental, no sarau de pesquisa anual do PNI, até a criação do programa de acessibilidade e inclusão aqui apresentado, reafirmando o compromisso da equipe de maneira permanente com a temática.

Considerações finais

O Parque Nacional do Itatiaia constitui-se num importante espaço não formal de ensino, possibilitando ao visitante o contato com a natureza e sensibilizando-o em relação à conservação e à proteção ambiental. Garantir o acesso a esse espaço é um direito constitucional, além de uma demanda advinda de diversas esferas. No entanto, tornar um local acessível vai muito além de realizar adaptações arquitetônicas e físicas para pessoas com mobilidade reduzida; é garantir o acesso não só ao espaço físico em si, mas também a todas as informações contidas nele, independente das limitações físicas, mentais, sensoriais, das habilidades e aptidões de todo o público, com deficiência ou não.

Por outro lado, a proteção à natureza não deve ter sua motivação apenas na manutenção da vida humana ou em uma visão empreendedora da natureza, de oportunidades financeiras ofertadas. É uma necessidade moral, sendo parte componente dela entender-se como integrante da sociedade. Estamos acostumados com uma visão exploratória da natureza, em diferentes contextos, inclusive em livros didáticos. Ao se adentrar os ambientes naturais, são notáveis as diferentes formas sensoriais: o canto de pássaros, o cheiro da natureza, os barulhos de insetos, o contato com o solo e todas as eventualidades que somente a natureza pode proporcionar. Para um aproveitamento máximo, o contato direto pode se mostrar como uma forma de viver a experiência de maneira completa e dela retirar as melhores possibilidades didáticas possíveis.

O centro de visitantes do parque, enquadrado pelo IBRAM como museu, é um importante espaço de disseminação e democratização da cultura e deve estar a serviço da sociedade. Assim, precisa não só proteger o seu patrimônio como também seu público, sem distinção de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, como prevê a Constituição Brasileira de 1988.

As contextualizações históricas propostas nas abordagens do Guia de campo para a trilha sensorial do Parque Nacional do Itatiaia buscam atender ao público de forma ampla, com propostas sensoriais e conteúdos que permitem situar historicamente o visitante, evidenciando a história do PNI e o bioma Mata Atlântica, ameaçado pela intensa devastação causada pelo crescimento urbano desorganizado e irregular. Ações que possibilitam a interpretação ambiental buscam modificar a relação do visitante e da comunidade local com a natureza e o parque, sensibilizando os visitantes quanto à preservação do meio ambiente.

No entanto, para se alcançarem a liberdade e a autonomia das pessoas com deficiência dentro dos espaços de cultura, é necessário romper as barreiras comunicacionais. Apenas com a acessibilidade comunicacional é possível estabelecer a acessibilidade cultural. A inclusão e a sua divulgação representam a formação cultural não só da pessoa com deficiência, mas de toda a sociedade. Além da certificação de que as áreas construídas, bem como suas informações, estão acessíveis a todos os públicos, uma outra importante barreira, comum a todas as categorias de deficiência, precisa urgentemente ser superada: a barreira atitudinal. Falar sobre acessibilidade e inclusão e divulgar o tema representam romper tais preconceitos.

Além disso, é muito importante que haja a capacitação dos recursos humanos do parque a fim de melhorar a visita de pessoas com deficiência nos espaços de uso público. Frente ao exposto, nota-se que, nos anos recentes, o Parque Nacional do Itatiaia não mediu esforços quando a questão era acessibilidade. Contudo, reconhece que ainda há um longo caminho a percorrer. Essa demanda, entretanto, é infindável, uma vez que o avanço das tecnologias assistivas pleiteia atualizações nos equipamentos, e a capacitação continuada é fundamental para a manutenção da inclusão e para a ruptura de preconceito social e da discriminação.

Referências

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[1] Disponível em: https://www.icmbio.gov.br/parnaitatiaia/images/stories/Downloads-menu/2019/guia_campo_pni.pdf. Acesso em: 8 fev. 2021.

[2] Disponível em: https://youtu.be/irMHv0emt2A. Acesso em: 8 fev. 2021.

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