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Sumário interativo

Acessibilidade em museus e a alfabetização científica na formação de professores

Tania Chalhub e Marisa da Costa Gomes

Resumo: Museus são espaços educacionais importantes na formação de diferentes públicos e, para alunos surdos, são fundamentais pela visualidade e abrangência de temáticas que abordam. Porém, para atender à diversidade de público, é essencial que os museus tenham a acessibilidade como política inclusiva. Este trabalho apresenta algumas atividades pedagógicas desenvolvidas no contexto da educação dos surdos relacionadas à inclusão e à acessibilidade nos museus. Nosso foco é em acessibilidade comunicacional para os surdos, grupo que apresenta essa demanda social, geralmente não atendida nos diversos espaços culturais e educacionais do nosso país.

Dessa forma, discutiremos aspectos relevantes para a inclusão de alunos surdos nos museus, bem como descreveremos como o espaço visitado têm adotado estratégias de alfabetização científica voltadas para esse público. Após a primeira visitação e diálogos com os gestores da Casa da Ciência, identificamos, com alunos, os pontos que precisavam de acessibilidade. Todo o processo foi intercalado por leituras e debates na sala de aula, desencadeando no posterior desenvolvimento de materiais e estratégias consideradas mais adequadas para possibilitar acessibilidade a todos: legendas nos vídeos, animação e vídeo em Libras sobre a exposição, objetivos, aparatos e dinâmicas. As atividades resultaram em recursos de acessibilidade que ficaram disponíveis na exposição.

Introdução

            A importância dos museus como espaços de divulgação da ciência e seu papel educacional – permitindo acesso ao conhecimento e atuando na formação de diferentes públicos – é discutida e legitimada por diversos estudos (CERATI; MARANDINO, 2013; CERATI, 2014). Segundo Marandino (2015) os processos de inclusão têm sido uma das grandes bandeiras dos museus no século XXI. A autora ressalta que, além da preocupação com o ensino, aprendizagem e entretenimento, presentes no século anterior, o compromisso social com a ampliação dos variados públicos e também com a diversidade e acessibilidade são alguns dos focos dos projetos educativos e culturais dos museus de hoje. No que diz respeito à acessibilidade e inclusão de surdos, Chalhub, Benchimol e Rocha (2015) identificaram esforços iniciais em alguns museus de ciências. Estas iniciativas apontam para a possibilidade de exposições mais acessíveis e de uma comunicação efetiva com esse público nesses espaços.

            Pesquisas em alguns museus no município do Rio de Janeiro – por exemplo, a Casa da Ciência e o Museu Nacional – apresentam uma preocupação com a adoção de estratégias de inclusão e acessibilidade, como a presença de educador que saiba Libras, mediador surdo, intérprete de Libras, vídeos guias, vídeos em Libras, uso de QR Code e      vídeos com legendas. Estas estratégias são apontadas como fundamentais para a acessibilidade, segundo sujeitos surdos (CHALHUB; GOMES, 2018; CHALHUB; GOMES; RODRIGUES, 2018).

            Marandino (2015) relata que, no que se refere à comunicação, a interatividade com os módulos expositivos vem sendo extremamente valorizada, o que tem levado esses espaços a introduzir cada vez mais estratégias que facilitem a comunicação com o público nas exposições. Tojal (2007) enfatiza que os museus, bem como as demais instituições que possuem papel fundamental na ampliação do repertório cultural dos cidadãos, necessitam estar em sintonia com o pensamento contemporâneo de respeito e reconhecimento da diversidade cultural e social, trabalhando a favor não somente da comunicação de seus objetos culturais, sob um ponto de vista multicultural, como também contribuindo para a democratização cultural por meio de processos de inclusão social.

            O trabalho diferenciado no contexto da educação dos surdos nos faz ter um olhar cuidadoso, como professoras e pesquisadoras, com as questões relacionadas à inclusão e à acessibilidade nos museus. Nosso compromisso com a temática está ancorado em uma práxis pedagógica que tem como foco a formação inicial de professores, buscando viabilizar a construção de conhecimentos em uma perspectiva abrangente, comprometida com a alfabetização científica e tecnológica. Uma práxis pedagógica em que espaços como museus são valorizados em toda a sua potencialidade de ensino e aprendizagem, sendo aliados da formação e, posteriormente, do trabalho do pedagogo enquanto docente ou gestor em diversos espaços educacionais, não apenas o escolar.

            Dessa forma, neste capítulo, trazemos algumas reflexões sobre a importância da acessibilidade em museus, uma vez que estes se constituem como espaços pedagógicos de formação e fomento ao ensino de ciências e, assim, à alfabetização científica. Nosso objetivo é discutir aspectos relevantes para a inclusão de alunos surdos nos museus por meio de alguns relatos de experiências vivenciadas nesses espaços com nossas turmas do curso de Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines).

Acessibilidade para quem?

            Falar em acessibilidade em quaisquer ambientes educacionais ou culturais não é um exercício reflexivo muito simples, uma vez que a temática está relacionada a diferentes grupos, com demandas sensoriais diversas e realidades distintas em termos informacionais. Nossa reflexão terá como base a questão comunicacional dos deficientes auditivos.

            Em nossas reflexões, adotamos o termo Surdos por estar associado à abordagem cultural cujo foco está na diferença e não na deficiência. Este termo é utilizado por sujeitos surdos, muitos dos quais pesquisadores nas áreas da linguística e educação, dentre outras (CAMPELLO, 2008; STROBEL, 2008; DORZIAT, 2009).

            Reconhecemos as diferentes identidades dos sujeitos surdos, desde os oralizados, que se comunicam utilizando a língua oral, aos surdos que têm na Língua Brasileira de Sinais (Libras) a base de sua comunicação, conjugada com o português na versão escrita. Estes serão os protagonistas destas reflexões: os que têm a Libras como primeira língua (L1) e o português escrito como segunda língua (L2). Tal escolha se deve ao fato de este ser o grupo ao qual pertence a maioria dos nossos alunos, o qual apresenta uma demanda comunicacional geralmente não atendida.

            Tendo em mente estes protagonistas, precisamos falar um pouco sobre acessibilidade. Para tanto, começaremos quase que pelo fim da linha do tempo da acessibilidade na realidade brasileira, pois as barreiras necessárias para que os surdos sinalizantes pudessem vivenciar acessibilidade em museus – as barreiras informacionais e atitudinais – só foram reconhecidas há menos de duas décadas, com o Decreto 5.296/ 2004, que regulamenta a lei de 2000 que define acessibilidade. Na década seguinte, a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida como Lei Brasileira de Inclusão (LBI) aprimora tal definição com elementos mais explícitos (em negrito):

acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2015).

            Para complementar a questão central da comunicação com surdos, precisamos trazer outro marco legal brasileiro, a Lei nº 10.436/2002, que, em 2005, foi regulamentada pelo Decreto nº 5.626, estabelecendo a Libras como língua de comunicação dos Surdos e o principal canal de acesso à educação.

            Estes avanços, na concepção de acessibilidade numa perspectiva inclusiva, destacam a necessidade de uso e apropriação de informação, produtos e serviços, apresentando um caráter emancipatório e potencializador.

            Destacamos a importância da comunicação em Libras nos museus e em outros espaços educacionais.. A importância dos museus na educação de uma forma geral já é amplamente reconhecida. Neste texto, gostaríamos de determo-nos na contribuição dos museus de ciências na educação de surdos.

            Pesquisadoras com estudos específicos sobre ensino de ciências para surdos, Flores e Rumjaneck (2015) argumentam quanto à importância de visitas a museus como estratégia de aprendizagem e de desenvolvimento de formar o “interesse por ciência” motivando a aprendizagem. Aspecto facilitado quando da parte desses espaços existe a preocupação em oferecer recursos e estratégias que promovam a alfabetização científica dos visitantes, e dessa forma, transformem o interesse e entusiasmo em aprendizagem. Mas, para potencializar o interesse e aprendizagem, além da alfabetização científica, é fundamental que a comunicação atenda a parâmetros de acessibilidade comunicacional.

Acessibilidade em museus ou a invisibilidade dos surdos visitantes

            Acessibilidade tem sido um tema importante desde as últimas décadas do século XX, principalmente na área da educação. Ao fazermos uma busca na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) utilizando os termos “acessibilidade” e “educação”, obtivemos um total de 799 trabalhos acadêmicos, sendo 641 dissertações e 158 teses. Porém, ao utilizarmos os termos “acessibilidade” e “museu”, a recuperação caiu significativamente para 25 dissertações e sete (7) teses com um total de 32 trabalhos.

            Na educação, a primeira dissertação foi defendida em 1997, ao passo que o tema só aparece em trabalhos acadêmicos relacionado a museus em 2006, configurando-se assim, uma tendência atual da área, que conta com programas de pós-graduação stricto sensu recentes. Em 2006, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e, em 2013, o mestrado na Universidade de São Paulo (USP) (CHALHUB; BENCHIMOL; ROCHA, 2019).

            Tentando ampliar o cenário, fizemos um levantamento em duas revistas específicas da museologia – Museologia e Patrimônio e Museologia & Interdisciplinaridade. O resultado não foi muito animador, levando-nos a empreender levantamento na base SciELO, que não acrescentou nenhum artigo, uma vez que o único artigo recuperado teve que ser descartado, pois seu conteúdo não estava relacionado à temática.

            A revista Museologia e Patrimônio tem publicado três artigos, todos com foco em acesso (ANDRADE; SANTIL, 2010; LOURENÇO et al., 2016; COSTA; BRUSADIN, 2019). Cada um destes apresenta uma pesquisa com objetivos diferentes, objetos de estudos diversos, porém com foco em acesso e acessibilidade a pessoas com deficiência física ou visual, não ao surdo. O levantamento na revista Museologia & Interdisciplinaridade apresentou cinco artigos, a maioria tangenciando o tema (MALDONADO; GRANATO; RANGEL, 2020; CELESTE; SILVEIRA, 2019; WILD, 2017; ROCHA, 2017), apenas Tojal (2015) discute sobre acessibilidade comunicacional de maneira a contemplar os visitantes surdos.

            Podemos perceber que, em alguns dos principais espaços de comunicação brasileiros para as discussões científicas sobre acessibilidade em museus, há uma lacuna com relação à temática que tem como foco os sujeitos surdos. Em contrapartida, nos últimos três anos, os museus do Rio de Janeiro têm apresentado iniciativas de acessibilidade a surdos, muitas das quais com os surdos sendo os protagonistas das atividades, seja como educadores ou mediadores, em debates e consultorias que visem a tornar o espaço mais inclusivo (CHALHUB; GOMES, 2018).

Os museus e a alfabetização científica na formação inicial de professores

            Ao trabalhar com as questões de ensino de ciências para surdos, Flores e Rumjaneck (2015, p. 2133) apontam o museu como importante ferramenta para potencializar o aprendizado de temáticas científicas. As autoras elencam uma série de atividades que contribuem para o aprendizado de ciências e, assim, para a alfabetização científica, como

estratégias [que] envolvem visitas a museus, participação em feiras de ciências, visita a parques naturais, dentre outras que possibilitam que cada espaço se torne um motivo para os alunos desenvolverem de maneira natural o interesse por ciência.

            Tojal (2015) apresenta as questões comunicacionais para diferentes públicos, inclusive surdos, com atendimento ao público com “educadores surdos para visitas educativas em Libras” e de “um programa de acessibilidade comunicacional que pretenda se ver como institucional […], fazer parte de um conceito presente em todas as áreas do museu, estar presente nos projetos curatoriais e no seu escopo orçamentário” (TOJAL, 2015, p. 201).

            Existe uma vasta produção na literatura quando o foco é a alfabetização científica (AC), seu conceito e os diversos significados que abrangem essa expressão. Para efeito deste texto, utilizaremos o conceito trazido por Cerati e Marandino (2013, p. 771), que definem AC como:

[…] o conhecimento que uma pessoa deve ter para compreender, refletir e emitir opinião acerca de processos e feitos científicos, bem como suas implicações para a sociedade. Desta forma se caracteriza como um processo de aquisição de conhecimento, análise, síntese e avaliação da ciência e tecnologia que ocorre em diferentes contextos sociais, sendo os museus de ciências um desses contextos.

            De fato, diante das questões aqui apresentadas, do levantamento bibliográfico da temática e das experiências vivenciadas em visitações em diferentes contextos e espaços, acreditamos no potencial dos museus como ferramentas de formação e fomento da alfabetização científica. Para Cerati (2014), os museus têm se mostrado instituições relevantes para a melhoria do aspecto cultural da AC, apresentando exposições que ilustram os conceitos científicos, além de aspectos econômicos e profissionais, inclusive motivando jovens para carreiras científicas e tecnológicas.

            O papel educacional dos museus é reforçado por Cerati e Marandino (2013), que, no intuito de trazer contribuições para as práticas realizadas nesses espaços, delineiam estratégias que devem ser incorporadas, almejando a educação museal numa perspectiva de AC. Segundo as autoras, as exposições devem utilizar técnicas que estimulem e desencadeiem esse processo, como: a) textos que estimulem os visitantes a pensar mais criticamente; b) informações intercaladas com perguntas; c) equipamentos interativos que possibilitem a compreensão de ideias científicas; d) debates, workshops, palestras com temas controversos; e) visitas guiadas que estimulem discussões sobre problemas relacionados à ciência; f) oficinas para resolução de problemas contemporâneos.

            Enquanto docentes de um curso de licenciatura em Pedagogia, com foco na educação de surdos, o que almejamos é uma formação que torne nossos alunos aptos a se apropriarem dos conhecimentos científicos, utilizando-os como fonte para a resolução de problemas e questões cotidianas, além de profissionais preparados para o desenvolvimento de uma abordagem crítica do ensino de ciências, por meio de uma proposta educacional bilíngue que, assim, priorize a língua de comunicação dos surdos, a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Em nossa prática pedagógica, vivenciamos inúmeras situações de ensino e aprendizagem nos museus, algumas que incorporam boa parte dos elementos levantados por Cerati e Marandino (2013), o que nos leva a considerar esses espaços como valiosos e propícios ao desenvolvimento de atividades formadoras na perspectiva da alfabetização científica para esse público, como citado anteriormente.

Alfabetização científica na formação de professores: uma abordagem inclusiva

            A inserção de conteúdos relativos às visitas aos museus e à adoção de estratégias de ensino ancoradas na perspectiva da AC nesses espaços ainda é um desafio. De acordo com Marandino (2015), pensar a formação dos professores nessa perspectiva implica necessariamente a inserção de novos temas nos cursos de formação inicial e continuada, gerando a urgência de se repensar tanto os conteúdos curriculares como as atividades práticas e os estágios nas licenciaturas. A autora incentiva a adoção de tópicos relacionados ao planejamento de atividades extraclasse, discussões sobre modalidades educacionais como educação formal, não formal e informal, dentre outras atividades.

            Cientes da necessidade de inserção dessas temáticas nos currículos dos cursos de formação de professores, criamos – no primeiro semestre de 2017 – uma disciplina eletiva para o sétimo período do curso de licenciatura em Pedagogia de nossa instituição (Ines). O foco principal da disciplina Acessibilidade em Museus e Espaços Não Formais de Educação é propor um debate sobre essa questão, apresentando as políticas públicas que norteiam as práticas nesses espaços, além de discutir as principais concepções e tendências relacionadas à acessibilidade de surdos.

Além das aulas teóricas, foram realizados seminários temáticos com convidados externos especialistas na área. E, para complementar nossas discussões em sala de aula, durante o desenvolvimento da disciplina, realizamos visitas a importantes espaços de divulgação da ciência no município do Rio de Janeiro. Como efeito deste trabalho, apresentaremos um relato das experiências vivenciadas na Casa da Ciência, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), localizada no bairro de Botafogo, Zona Sul da cidade.

            Trabalhamos com a perspectiva de nosso aluno como “sujeito ativo no processo educativo no museu e a certeza de seu engajamento intelectual através de sua interação” (MARANDINO; IANELLI, 2012, p. 20). Planejamos as atividades pedagógicas para além da sala de aula e ousamos mais, “misturando” turmas de períodos diferentes e em disciplinas distintas (Acessibilidade em Museus e Espaços Não Formais de Educação e Tecnologias da Informação e Comunicação I). Estamos nos reportando às atividades desenvolvidas em 2017, em parceria com a Casa da Ciências, para trabalharmos a questão da acessibilidade para surdos na exposição Aedes: que mosquito é esse?, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

            Trabalhamos a temática acessibilidade em museus com os alunos nas suas respectivas turmas e realizamos visitas à exposição ainda em preparação. Com a participação de alunos surdos e ouvintes, identificamos pontos que precisavam de acessibilidade como legendas nos vídeos, legendas nas músicas das peças de animação sobre prevenção do mosquito e a produção de um vídeo em Libras explicando a exposição, seus objetivos, aparatos e dinâmicas.

            A preparação envolveu leituras e debates na sala de aula, tradução para Libras de material escrito pelos organizadores da exposição, gravação e edição do vídeo. A tradução teve apoio de intérpretes do Núcleo de Educação Online (NEO) do Ines, mas foi gravada por um aluno licenciando que possui proficiência em Libras. A ilustração foi produzida por um designer gráfico também da equipe do NEO.

            Este vídeo – que também pode ser acessado neste link: https://youtu.be/Ah5sGxmYTcs – é um exemplo de como os alunos de graduação, surdos e ouvintes, se apropriaram da temática e tornaram uma exposição de um espaço de ciências mais acessível para a comunidade surda. Além do vídeo, os alunos também se envolveram na legendagem dos vídeos e animações. O material preparado ficou disponibilizado para todos os visitantes enquanto durou a exposição na Casa da Ciência.

            O vídeo em Libras e as legendas estão entre as principais formas de acessibilidade oferecidas em museus para surdos (CHALHUB; GOMES, 2018; CHALHUB; GOMES; RODRIGUES, 2018). A participação de intérpretes não foi sugerida pelos alunos, uma vez que, nossas visitas a museus sempre contam com a participação de uma dupla de intérpretes da instituição, que traduzem as informações dos mediadores ou educadores que nos recebem nos diferentes espaços visitados.

            Além dos aspectos relacionados à acessibilidade, identificamos – a partir das contribuições trazidas por Cerati e Marandino (2013) – no espaço e na exposição Aedes: que mosquito é esse? estratégias voltadas para a alfabetização científica dos diferentes públicos visitantes. A exposição, toda interativa, é um convite a conhecer de forma lúdica e divertida o mosquito transmissor da dengue, zika e chikungunya. O uso de tecnologia de última geração, de materiais multimídia, além de vídeos e dispositivos interativos possibilitam a compreensão mais facilitada das ideias científicas. Além disso, durante todo o percurso da exposição foi possível observar textos, imagens e animações com o intuito de estimular os visitantes a pensarem de forma mais crítica e a se posicionarem em relação ao que estava sendo exposto.

            Durante a visita guiada, oferecida pela Casa da Ciência, foram estimuladas discussões sobre os problemas relacionados às doenças ocasionadas pelo mosquito, como medidas de controle do vetor e a importância da participação social no combate ao mosquito, além de abordar o que vem sendo produzido como conhecimento pelas principais pesquisas da área, bem como aspectos relacionados ao desenvolvimento de vacinas, dentre outros (CERATI; MARANDINO, 2013). Essas estratégias corroboram para uma aprendizagem mais significativa e contextualizada no espaço, visando uma educação e formação ancoradas nas perspectivas da alfabetização científica.

            De acordo com Marandino (2015), a inserção de novos conteúdos e de inovações com relação às estratégias de ensino e aprendizagem revela movimentos de criação didática nas disciplinas de ensino superior. A autora enfatiza que tal dinâmica revela ainda que os currículos do nível superior de ensino encontram-se em constante adaptação a novas demandas sociais de formação e que a inclusão, de forma sistematizada, de conteúdos e práticas ligadas à educação não formal no ensino de ciências, são elementos relevantes para melhor qualificar os professores, fortalecendo a relação entre as universidades, as escolas e os museus.

Reflexões finais

            Para finalizarmos esta reflexão, é importante sinalizar um elemento essencial para a comunicação, apropriação da informação e aprendizagem de surdos: a visualidade. A visualidade se configura como aspecto essencial na comunicação dos Surdos e está presente na língua de sinais, que tem como parâmetros expressões faciais e corporais, além dos recursos imagéticos cada vez mais utilizados na comunicação por diversos meios. Trazemos a matriz visual pela sua centralidade na comunidade surda e por ser muito presente em museus de ciências, que, em sua terceira geração, possibilitam interatividade dos visitantes com os aparatos.

            De fato, a urgência por acessibilidade e inclusão nos espaços sociais, sobretudo nos espaços não escolares como os museus, é uma demanda da comunidade surda e dos movimentos que reivindicam a autonomia e participação ativa deste público na sociedade. Dessa forma, inserir essa questão em nossa grade curricular – e em nossas produções acadêmicas – é de suma importância tanto para os surdos quanto para os profissionais em formação com os quais eles futuramente trabalharão.

Referências

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