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Sumário interativo

O mar brasileiro na ponta dos dedos: exposição acessível no Museu Nacional

Andréa Costa, Patrícia Lameirão e Paulo Victor Gitsin

Resumo: Um dos maiores desafios que se colocam para os museus, na atualidade, consiste em deixarem de ser apenas instituições abertas ao público, para se tornarem equipamentos educacionais e culturais acessíveis a todos. No presente capítulo, apresentamos uma discussão acerca da concepção, do desenvolvimento e da avaliação, por meio de entrevistas e observações, da exposição acessível O mar brasileiro na ponta dos dedos,desenvolvida pela Seção de Assistência ao Ensino (SAE) do Museu Nacional – MN/UFRJ. A exposição visava incluir as pessoas com deficiência não só em ações de Educação Museal e de Popularização da Ciência, mas também em projetos expositivos e comunicacionais no Museu Nacional.


            O Museu Nacional (MN) é peça fundamental da história do Brasil. Criado em 1818 por D. João VI, é uma das primeiras instituições museológicas e científicas do país e, desde 1946, integra a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No dia 2 de setembro de 2018, um incêndio de grandes proporções atingiu suas exposições e a maior parte de seus laboratórios e coleções, mudando para sempre sua trajetória. Mas é importante lembrar: o Museu Nacional vive! Objetos vêm sendo resgatados e as pesquisas continuam. Ele resiste no cotidiano de seus laboratórios de pesquisa, nas atividades de campo que reconfiguram e ampliam suas coleções, bem como nas exposições e nos projetos educativos que realiza, seja na Quinta da Boa Vista, nas escolas ou em qualquer outro espaço.

            Os compromissos com a Educação e com a Divulgação da Ciência acompanham o MN desde sua criação, há mais de 200 anos. Em 1927, nele foi criado o primeiro setor educativo de um museu brasileiro, a Seção de Assistência ao Ensino (SAE), concebida e implementada por Edgar Roquette-Pinto, marco da institucionalização da educação museal no país.

            A acessibilidade é uma das principais áreas de atuação da SAE, que, em 2013, visando à inclusão de pessoas com deficiência no ambiente expositivo do Museu Nacional, inaugurou a exposição acessível O mar brasileiro na ponta dos dedos. No presente capítulo, apresentamos uma discussão acerca da concepção, do desenvolvimento e da avaliação dessa exposição, que passou por modificações ao longo do tempo, sempre buscando aproximar os diferentes públicos dos objetos, conteúdos e conceitos relacionados ao campo da Biologia, especialmente da Biologia Marinha.

Museus: desafios em relação à acessibilidade

            Apesar de alguns avanços, os museus ainda estão distantes de serem equipamentos educacionais e culturais acessíveis. Há dez anos, uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) revelou que apenas 50,7% dos museus brasileiros cadastrados possuíam algum tipo de instalação voltada às pessoas com deficiência (IBRAM, 2011). A análise sobre a diversidade desses recursos revelou uma visão distorcida acerca da acessibilidade em sua plenitude, haja vista que, na maioria dos museus (78%), a rampa de acesso era o recurso mais oferecido, enquanto a presença de etiquetas/textos em braille foi citada por apenas 7,4% deles. Uma pesquisa recente, realizada junto a 109 museus de ciência situados em 12 países latino-americanos, também acabou por confirmar o predomínio de recursos de acessibilidade física em relação àqueles voltados à acessibilidade comunicacional e atitudinal (NORBERTO ROCHA et al., 2020).

            No início da década de 2010, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou que 15% da população mundial apresentavam alguma deficiência (OMS, 2012). Já o número de brasileiros com alguma deficiência aumentou entre os anos de 2000 e 2010, correspondendo a 23,9% da população em 2010 (BRASIL, 2012). Esse dado inclui brasileiros com algum tipo de deficiência ou perda funcional, sendo 8,3% o percentual da população brasileira que apresentava deficiência de moderada a grave, de caráter permanente, demandando uso de recursos de facilitação (DORNELES et al., 2018).

            O Museu Nacional era, até seu forçado fechamento, um dos mais visitados do Rio de Janeiro, recebendo cerca de 170 mil visitantes/ano, com predomínio de visitas espontâneas. Um estudo acerca do perfil desse público apontou que 38% dos adultos que visitavam o MN o faziam acompanhados de crianças de 0 a 6 anos. Por outro lado, apenas 2% de seus visitantes espontâneos tinham mais de 60 anos (COSTA et al., 2015).

Para fins de comparação, em 2010, 7,3% dos brasileiros tinham mais de 65 anos e, destes, 67,7% apresentavam alguma deficiência (BRASIL, 2012). Sabemos que idosos são mais acometidos por lesões e problemas crônicos de saúde, como diabetes, doenças cardiovasculares, transtornos mentais e doenças respiratórias, que são diretamente ligados às causas de deficiências. Isso nos leva a pensar que sua baixa representatividade no MN possivelmente era reflexo da falta de acessibilidade física da instituição. Além de ser uma edificação ampla, com poucos espaços para descanso, a maior parte das exposições do museu estava localizada no segundo pavimento e seu acesso se dava por meio de uma extensa escadaria.

Os resultados do estudo de Costa (et al., 2015) reforçam a importância de se oferecer um ambiente acessível, incluindo não só as pessoas com deficiência, mas a população de maneira geral. Famílias com crianças pequenas certamente seriam beneficiadas com elevadores e rampas para o acesso às salas de exposição, por exemplo. As políticas de acessibilidade também beneficiam aqueles que não possuem tipo algum de deficiência.

Uma exposição, múltiplos conceitos

            O mar brasileiro na ponta dos dedos foi uma exposição acessível desenvolvida por profissionais que atuam na Educação Museal. Essa modalidade educacional “coloca em perspectiva a ciência, a memória e o patrimônio cultural enquanto produtos da humanidade” (COSTA et al., 2018, p. 74) e visa à “formação crítica e integral dos indivíduos, sua emancipação e atuação consciente na sociedade com o fim de transformá-la (2018, p. 74).

Os objetos musealizados são os meios pelos quais se desenvolve a ação educativa museal. Eles são capazes de emocionar o público, promovendo sensações de surpresa, curiosidade, estranhamento, além de gerar questionamentos e conversas entre visitantes e entre eles e os educadores, o que fomenta o desejo destes pela ampliação dos horizontes culturais. Assim, o potencial educacional do museu pode se concretizar mais pelo despertar do interesse em assuntos diversos e pela motivação intrínseca do que pela assimilação de conteúdos (CAZELLI; COIMBRA, 2012). É, portanto, “insubstituível no estágio mais importante do processo cognitivo: o início. Saindo da indiferença para a vontade de aprender (WAGENSBERG, 2005, p. 3).

            Uma das principais atribuições dos educadores museais consiste em articular o patrimônio ao cotidiano dos visitantes. Eles fazem com que os processos educacionais tenham sentido para os diferentes tipos de público (CURY, 2013) e buscam incluir, também, aqueles que pouco visitam os museus, dentre os quais se encontram as pessoas com deficiência. Para tanto, é fundamental que esses espaços as incluam em seus projetos expositivos e comunicacionais, fazendo com que as exposições – seu canal essencial de comunicação – sejam acessíveis.

            Foi nesse sentido que a exposição O mar brasileiro na ponta dos dedos foi elaborada, tendo como eixo de desenvolvimento a Política Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 1999). Para tal, o projeto buscou conceituar o espaço com base no Desenho Universal (CAMBIAGHI, 2012), responsável pela criação de ambientes ou produtos para serem usados pelo maior número de pessoas possível, ao passo que a capacidade funcional das pessoas aumenta quando as barreiras são removidas. A partir dele, leva-se em conta a participação de todos os visitantes, com habilidades e capacidades diversas.

            O objetivo inicial da exposição foi viabilizar o acesso de pessoas com deficiência visual ao patrimônio natural brasileiro. Ela buscou despertar no público sentidos e sentimentos, à medida que as pessoas interagiam diretamente com exemplares de animais marinhos brasileiros, dispostos em ordem evolutiva. Ao tocar nas peças, que integravam o acervo da Coleção Didático-Científica da SAE, os visitantes tinham acesso às diversas formas e texturas de diferentes grupos zoológicos, podendo conhecer mais sobre a biologia comparada de esponjas, corais, moluscos, equinodermos, tartarugas, pinguins e golfinhos. Os exemplares estavam dispostos, cada um em uma caixa de madeira, e ambientados sobre diferentes tipos de areias, provenientes de diversas praias do Brasil, o que conectava o público, também, à diversidade dos ambientes marinhos do nosso litoral.

            Além de contar com acervo disponível ao toque, a exposição possuía etiquetas em braille e em tinta, com letras ampliadas, desenvolvidas em parceria com o Instituto Benjamin Constant (IBC). Posteriormente, visando favorecer a multissensorialidade, foi instalado um sistema de áudio que reproduzia o som do mar, de aves e de animais marinhos. O projeto expositivo possibilitava que pessoas em cadeiras de rodas, assim como crianças pequenas e adultos, visualizassem e tocassem as peças de forma segura e confortável. Foi adotada uma perspectiva inclusiva, fundada na compreensão de que “não há nada menos inclusivo do que separar grupos em visitas em função de suas capacidades e funcionalidades” (CHALHUB, BENCHIMOL, ROCHA, 2015, s/p.).

            Em 2015, a exposição passou a contar com um videoguia em Libras, com legendas em português, iniciativa coordenada por Stella Savelli, com apresentação da mediadora surda Caroline Pimenta. Ao todo, 17 vídeos apresentavam os espécimes expostos e as areias que serviam de suporte a eles, relacionando os primeiros a aspectos sociais, culturais e econômicos, com vistas a aproximá-los da vida cotidiana dos visitantes. O recurso era acessado pelo visitante com seu próprio smartphone, a partir da leitura de códigos QR, ou de tablets disponibilizados pelo setor educativo. Os vídeos estão disponíveis no YouTube[1] e no Repositório Digital Huet, do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), favorecendo o acesso da comunidade Surda brasileira aos conteúdos científicos expostos na ocasião.

            A interface com a exposição também se dava por intermédio da mediação humana. Os mediadores, formados pela SAE, tinham como objetivo promover o diálogo com os diferentes visitantes, podendo audiodescrever os itens expostos para as pessoas com deficiência visual, além de favorecer o entendimento dos conteúdos por parte de pessoas com deficiência intelectual e com baixa escolaridade. No ano de 2014, foi possível contar com uma mediadora cega, Eduarda Emerick, que, à época, era estudante de ensino médio do Colégio Pedro II e bolsista do Programa Jovens Talentos (Faperj/ Fundação Cecierj). Hoje, é bióloga formada pela PUC-Rio.

            Assim, o trabalho que pautou o desenvolvimento da exposição se deu a partir da compreensão de que promover a acessibilidade passa não só pela derrubada de barreiras físicas. Envolve também a superação de barreiras sensoriais e atitudinais, apartir da proposta dedesenvolver a compreensão dos discursos expositivos (acesso cognitivo), bem como a identificação com sistemas de produção e fruição, ou seja, com a confiança e o prazer pela inserção no espaço do museu, respectivamente (AIDAR; CHIOVATTO, 2011).

Entrevistas: sobre a importância de ouvir os visitantes

            Com o objetivo de avaliar, junto aos visitantes, os efeitos de uma visita à exposição acessível e o atendimento de suas expectativas em relação ao MN, bem como de levantar possíveis dificuldades em explorar os ambientes museais, Carreira (2015) elaborou um roteiro de entrevista semiestruturada. Entre os meses de agosto e novembro de 2014, foram entrevistadas 26 pessoas que visitaram a exposição O mar brasileiro na ponta dos dedos, além de outras exposições do MN. Delas, oito eram pessoas com deficiência, 14 eram acompanhantes ou responsáveis por pessoas com deficiência que não podiam responder por si, dois eram idosos e outros dois eram visitantes espontâneos do MN sem deficiência. A maior parte dos entrevistados eram mulheres, visitavam o MN em grupo e a faixa etária variou de 18 a 86 anos.

            As entrevistas foram quase todas concedidas presencialmente, e algumas por e-mail. As do primeiro caso ocorreram logo após a visita e ainda no ambiente museal, ou em local mais apropriado ao entrevistado. Em sua maioria, as entrevistas presenciais foram gravadas em áudio, mas houve três exceções, as três com pessoas surdas: uma foi por escrito e as outras duas, gravadas em vídeo.

            Quando perguntados se costumavam ir a museus e centros culturais, mais da metade dos entrevistados disse ir sempre, por vontade própria. A outra metade ou respondeu que não ia, ou que ia só quando a visita era organizada pela escola ou grupo social. Já quando perguntados sobre a importância desses centros, a maioria das respostas variaram igualmente entre “trazem conhecimento”, “trazem cultura”, “trazem entendimento sobre coisas antigas” e “trazem entendimento sobre a evolução da sociedade”. Três pessoas responderam, simplesmente, que “é importante”, uma disse não ser importante, uma disse não ser importante para pessoas com deficiência, pois elas não se interessam, e três não souberam responder.

Quando perguntados sobre como se sentiam em relação aos outros visitantes nos ambientes culturais, quase a totalidade disse se sentir bem ou muito bem, apenas um respondeu que preferia lugares menos cheios e duas das pessoas surdas disseram que gostavam de ir com outros surdos, pois se sentiam mais à vontade em grupo.

Quando indagados se era a primeira vez que visitavam o Museu Nacional, pouco mais da metade disse que sim. Quando a pergunta foi se haviam visitado as exposições permanentes e se elas tinham atendido a suas expectativas, a maioria disse que sim, e que não haviam tido dificuldade em explorá-las; cinco pessoas não as tinham visitado e duas pessoas cegas tinham, mas como não havia nada que pudessem tocar, ficaram insatisfeitas. Duas lamentaram não terem conseguido visitar tudo, pois, como o grupo era grande e havia muitas pessoas com dificuldade de locomoção, o tempo disponível havia sido pouco.

Das pessoas que não haviam visitado as outras exposições, duas desistiram ao saber que precisariam sair do prédio para ter acesso ao elevador. A mãe de um menino de cinco anos, usuário de cadeira de rodas, reclamou que muitos objetos estavam em locais elevados, dificultando a visualização por seu filho.

            Em relação à exposição acessível, quando perguntadas se havia atendido a suas expectativas, 23 pessoas responderam que sim. Uma disse que não, pois a filha, com deficiência múltipla, não havia se interessado. Duas pessoas não a haviam visitado. Quando perguntados se houve dificuldade em explorar a referida exposição, quatro visitantes ressaltaram a dificuldade de acesso, oito responderam que acharam o espaço pequeno, uma pessoa cega reclamou da posição do texto em braille e outra, também cega, reclamou da falta de independência para explorar o espaço. Quatro pessoas elogiaram a mediação humana.

            Os entrevistados apresentaram muitas sugestões quanto à comunicação das exposições: oito visitantes disseram ter gostado da mediação e achar importante essa comunicação, cinco sugeriram sonorização ambiental, uma pessoa disse achar muito importante uma prancha de comunicação, outra disse que gostaria de ver atividades relacionadas às exposições. Alguns falaram sobre a necessidade de etiquetas em braille, vídeos legendados, vídeos em Libras, intérprete de Libras, letras ampliadas, mediadores surdos, mais exposições disponibilizadas ao toque. Três pessoas consideraram os profissionais que os atenderam um ponto positivo da visita, dando ênfase à importância da acessibilidade atitudinal. Um visitante ressaltou a importância de se garantir a independência das pessoas com deficiência nas exposições, de modo a não carecerem da ajuda de terceiros.

Observando os visitantes na exposição: sobre a importância do toque

            A possibilidade do toque nos animais e nas areias das diferentes praias, na exposição O mar brasileiro na ponta dos dedos, assume uma dupla dimensão: é, ao mesmo tempo, para o público cego e de baixa de visão, um essencial recurso destinado à acessibilidade e, para o público em geral – incluindo novamente os cegos –, um modo diferenciado de experiência expositiva, que se baseia no tato para a apreensão dos exemplares. Partindo, então, dessa complexidade, realizamos um estudo de observação do comportamento do público da referida exposição, com três objetivos específicos: observar o uso e o não uso do recurso do toque por parte dos visitantes, aferir a utilização dos recursos de acessibilidade e avaliar a dinâmica de interação entre os membros de um grupo visitante.

            A metodologia utilizada para nossa observação foi a do timing and tracking (YALOWITZ; BRONNENKANT, 2009), cujo objetivo consiste em cronometrar e mapear o percurso dos visitantes, no intuito de observar seu comportamento, identificando, por exemplo, os elementos mais e menos atrativos presentes nas exposições. Nossa aplicação se deu por meio da elaboração e utilização de uma ficha de observação de público, que permitiu o registro dos seguintes dados para cada grupo visitante: características da composição do grupo (número de componentes e perfil etário); tempo de duração da visita; interação por meio do toque com cada um dos exemplares expostos; uso dos recursos de acessibilidade disponíveis; presença/ausência de mediação humana nas visitas; interação entre o grupo durante o período da visita.

            No ano de 2016, foram observados 25 grupos de visitantes, totalizando 131 pessoas. Por meio da observação, pudemos perceber que dois fatores contribuíram diretamente para a elevação do tempo médio de visita (que foi de 2min18s): a presença de mediação humana (média de 4min22s/visita) e o conhecimento por parte dos visitantes de que naquela exposição havia a possibilidade do toque nos exemplares (média de 2min58s/visita quando o grupo sabia da possibilidade do toque versus média de 1min26s/visita quando não sabia).

            Desse modo, pudemos concluir que o toque foi o recurso destinado à acessibilidade mais utilizado e seu uso, além de aumentar a média de tempo da visita, suscitava uma maior interação entre os membros dos grupos de visitantes, especialmente nas relações entre adultos e crianças. A metodologia utilizada também nos permitiu identificar, dentre os exemplares, os mais e os menos atraentes ao toque.

            Contudo, pudemos também perceber um baixo uso dos outros recursos destinados à acessibilidade por parte do público sem deficiências. Em relação ao toque, concluímos, ainda, que os benefícios decorrentes do uso desse recurso estavam diretamente sujeitos ao conhecimento dos visitantes acerca dessa possibilidade na referida exposição, visto que, nas instituições museais, o tocar ainda se configura como exceção no contexto da linguagem expositiva, o que suscita uma relação na qual o visitante, a priori, repele o toque. Tal conclusão apontou para a importância de implementação de recursos que explicitem a possibilidade do toque nos exemplares, de maneira a acrescentar informações sobre eles e, também, a orientar sobre procedimentos de segurança (do visitante e do acervo em exposição) acerca do toque proposto.

Considerações finais

            Na exposição O mar brasileiro na ponta dos dedos, optou-se por oferecer acervos ao toque, privilegiando, de forma inicial, a pessoa cega. Entretanto, as entrevistas que realizamos com seus visitantes revelaram que a exposição não contemplava de maneira plena esse público. O principal argumento para essa afirmação foi de que não era proporcionada independência na visita, uma vez que não havia rampa de acesso à exposição, além de ela não contar com aplicação de piso tátil e sinalização. Apesar de se ter buscado a inclusão da pessoa com deficiência tanto no planejamento quanto no uso da exposição, algumas sugestões, propostas por esse público enquanto ela era desenvolvida, não puderam ser atendidas, pois necessitavam de um amplo comprometimento do museu para seu cumprimento.

Verificamos, assim, a “ausência de práticas institucionais que possam sustentar qualquer tentativa de levar em consideração a inclusão de pessoas com deficiência”, apontada por Norberto Rocha et al. (2020). Nesse sentido, a SAE buscou sensibilizar, a partir de sua experiência, os demais setores da instituição para a questão, haja vista que a concepção e implantação de uma política de acessibilidade pressupõe a participação de todos os profissionais do museu (TOJAL, 2015).

            Muitos responsáveis entrevistados, apesar de contrariados com a falta de acessibilidade do espaço, admitiram que seus filhos se divertiram. Identificamos, também, que quando o visitante era bem recebido pelos profissionais que atuavam no museu, o constrangimento com a falta de acessibilidade parecia ficar amenizado, como no caso de grupos de surdos e de cegos entrevistados. Observamos, então, como aspecto positivo, a superação de barreiras atitudinais, que decorrem do despreparo dos funcionários no atendimento ao público de pessoas com deficiência (TOJAL, 2010, p. 14).

            Em relação aos resultados obtidos por meio da observação dos visitantes, se, por um lado, não podemos afirmar que uma duração maior de visita signifique, necessariamente, uma experiência mais significativa por parte dos grupos, por outro, podemos considerar que essa duração maior, associada ao uso do toque, permite inferir um maior interesse por parte do visitante e o atendimento ao propósito inicial da exposição, de apreendê-la “na ponta dos dedos”. Assim, constatamos que todos os públicos, e não exclusivamente as pessoas com deficiência, são beneficiados pelos recursos de mediação acessível e pelas facilidades apresentadas pelas acessibilidades física e comunicacional (SARRAF, 2015).

            A acessibilidade nos museus precisa ser construída como política institucional, visando incluir em seus espaços aqueles que ainda não se veem como público. É importante, ainda, que as instituições museais, mais do que promover a fruição das pessoas com deficiência em seus espaços, se comprometam com a equidade e, conforme aponta Tojal (2015), se coloquem como ferramenta de luta contra a exclusão social.

Agradecimentos e apoios

Agradecemos à educadora Guilhermina Guabiraba, ex-chefe da SAE, por sua incansável luta em prol da Acessibilidade no Museu Nacional; ao Instituto Nacional de Educação de Surdos, ao Instituto Benjamin Constant e ao Colégio Pedro II, pelas consultorias e colaborações. Apoios: Edital Apoio à difusão e popularização da ciência e tecnologia no estado do Rio de Janeiro – 2012, Programa Jovens Talentos – Faperj e Programa de Divulgação Científica e Cultural – PRODICC/UFRJ.

Referências

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BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Coordenação-Geral do Sistema de Informações sobre a Pessoa com Deficiência. Cartilha do Censo 2010: pessoas com deficiência. Brasília: SDH-PR/SNPD, 2012. Disponível em: https://bibliotecadigital.mdh.gov.br/jspui/handle/192/754. Acesso em: 2 jun. 2020.

CAMBIAGHI, S. Desenho universal: métodos e técnicas para arquitetos e urbanistas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2012.

CARREIRA, P. L. C. O Desenho Universal e os museus de história natural: o caso do Museu Nacional. 2015. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

CAZELLI, S.; COIMBRA, C. A. Q. Pesquisas educacionais em museus: desafios colocados por diferentes audiências. In: WORKSHOP INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM MUSEUS, 1., 2012, São Paulo. Anais […] São Paulo: Faculdade de Educação da USP, 2012. 1 CD-ROM.

CHALHUB, T.; BENCHIMOL, A.; ROCHA, L. M. G. de M. Acessibilidade e inclusão: a informação em museus para os surdos. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 16., 2015, João Pessoa. Anais […]. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2015. Disponível em: https://cutt.ly/Aihrmzq. Acesso em: 3 abr. 2020.

COSTA, A. F.; CASTRO, F.; SOARES, O.; CHIOVATTO, M. Educação museal. In: IBRAM. Caderno da Política Nacional de Educação Museal. Brasília, DF: Ibram, 2018.

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[1] A playlist composta pelos vídeos da exposição está disponível no canal de YouTube da Seção de Assistência ao Ensino (MN/UFRJ) e pode ser acessada por meio do seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=Ss8tvW76MTs&list=PL_R3JUn5Q4jp50TJvAWrFFhJKfd-2FUVy.

O mesmo material é encontrado no Repositório Digital do Ines: http://repositorio.ines.gov.br/ilustra/handle/123456789/562.

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