Prezado leitor, prezada leitora,
É com muito prazer e honra que apresentamos a vocês o primeiro Guia de Museus e Centros de Ciências Acessíveis da América Latina e do Caribe, realizado pelo Grupo Museus e Centros de Ciências Acessíveis (MCCAC), pela Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Fundação Cecierj), pela Rede de Popularização da Ciência e Tecnologia da América Latina e do Caribe (RedPOP) e pelo Museu da Vida, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz. Esta publicação conta com a participação de 110 espaços científico-culturais que se dedicam à popularização da ciência e tecnologia, [entre eles, museus e centros de ciências interativos, museus de história natural e antropologia, planetários, observatórios astronômicos, zoológicos, aquários] de dez países da América Latina e do Caribe: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, México, Nicarágua, Panamá, Porto Rico e Uruguai.
Em um olhar mais superficial, pode-se pensar que esse contingente ainda é pequeno se comparado com o número de museus e centros de ciências existentes na região da América Latina e do Caribe. Somente no Guia de Centros e Museus de Ciências da América Latina e Caribe[1], publicado pela RedPOP e parceiros em 2015, foram listadas 464 instituições desse tipo. Entretanto, vemos como uma conquista importante o fato de que 110 museus e centros de ciências da região expressem preocupação com a acessibilidade, diante da história e trajetória de luta da defesa dos direitos da pessoa com deficiência, que trazemos brevemente a seguir.
O direito ao acesso de todas as pessoas à vida cultural, às artes e ao progresso científico e seus respectivos benefícios não é algo novo. O artigo 27 da Declaração Internacional dos Direitos Humanos redigida pela Organização das Nações Unidas (ONU), já apontava, em 1948, que “toda pessoa tem direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam”. Nos anos 1960, houve uma politização do tema, capitaneada por ativistas e organizações de pessoas com deficiência ao redor do mundo, o que resultou em maior visibilidade e importância da questão para os agentes políticos e para a sociedade em geral. Apesar disso, foi apenas na década de 1980 que o termo “inclusão” começou a ser defendido mundialmente. Nessa década, a discussão se acirrou com os movimentos mundiais em defesa da inclusão e, aos poucos, o direito da pessoa com deficiência em fazer parte da vida artística, cultural e científica foi se oficializando por meio de documentos e leis lançados por organizações, como a ONU e a Organização dos Estados Americanos (OEA), e ratificada pelos países latino-americanos visando a concretização de políticas públicas na área.
No âmbito regional da América Latina e do Caribe, podemos listar alguns importantes acordos ao longo das últimas décadas em defesa dos direitos das pessoas com deficiência e sua inclusão na vida social e cultural: Declaração de Cartagena das Índias sobre Políticas Integrais para as pessoas com deficiência na região Iberoamericana[2] (1992), Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência[3] (1999); Declaração do Decênio das Américas: pelos direitos e a dignidade das pessoas com deficiência (2006-2016) e Programa de Ação para o Decênio das Américas das Pessoas com deficiência 2006-2016[4].
Em 2006, a ONU realizou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência[5], para promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. Para a ONU, o documento se configura como o primeiro instrumento de direitos humanos do século XXI com uma dimensão explícita de desenvolvimento social e que marca uma mudança paradigmática de atitudes e enfoque a respeito das pessoas com deficiência. No seu artigo 30, a convenção destaca o direito das pessoas com deficiência de participar em condições de igualdade da vida cultural e os países que assinam assumem o compromisso de adotar medidas necessárias para assegurar que elas tenham acesso a materiais culturais acessíveis e “a locais que ofereçam serviços ou eventos culturais, tais como teatros, museus, cinemas, bibliotecas e serviços turísticos, bem como, tanto quanto possível, ter acesso a monumentos e locais de importância cultural nacional” (ONU, 2006, n.p.). Todos os países da América Latina assinaram a Convenção e, posteriormente, a ratificaram em diferentes momentos: Cuba, México, Nicarágua e Argentina, em 2007; Brasil, Chile, Costa Rica, El Salvador, Equador, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru, em 2008; Bolívia, Guatemala, República Dominicana e Uruguai, em 2009; Colômbia em 2011 e Venezuela em 2013. Assim, os países assumiram o compromisso de implementar ações para a promoção da igualdade de acesso e de direitos das pessoas com deficiência.
Após traçar brevemente esse histórico, reconhecemos que avanços na área legislativa estão sendo realizado. Contudo, sabemos que apenas leis não constroem políticas públicas e não garantem o acesso a museus e espaços científico-culturais. Leis, após desenhadas e formuladas, precisam da oferta de meios, estruturação do aparelho estatal, planejamento e investimento para gerarem resultados. Elas necessitam ser transformadas em planos, programas, projetos e, quando postas em ação, também devem ser submetidas a sistemas de acompanhamento e avaliação. Esse processo não foi rápido e não está sendo simples, mas, paulatinamente, museus, espaços científico-culturais e ações de divulgação científica da região latino-americana estão implementando medidas, desenvolvendo estratégias, programas e políticas para inclusão e atendimento do público com deficiência.
Diante desse contexto, em meados de 2016, o MCCAC estabeleceu uma parceria com a RedPOP e com a colaboração da Associação Brasileira de Centros de Museus de Ciência (ABCMC), da Sociedad Mexicana para la Divulgación de la Ciencia y la Técnica (SOMEDICYT), da Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro e de outras organizações, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do então Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), desenvolveu a pesquisa “Diagnóstico de Acessibilidade em Museus e Centros de Ciências no Brasil e na América Latina”. Com o objetivo de construir um panorama da acessibilidade nesses locais, a pesquisa, realizada de julho a dezembro de 2016, enviou a mais de 400 espaços científico-culturais da região um questionário on-line, em português e espanhol, com 60 perguntas abertas e fechadas sobre a acessibilidade física, do local e do entorno, visual, auditiva e intelectual.
Os questionários foram respondidos por diretores, coordenadores, museólogos e demais responsáveis pelas instituições e como um dos resultados dessa enquete, produzimos este Guia, que conta com uma versão em espanhol, uma em português e, em breve, contará com versões acessíveis.
A publicação deste Guia só foi possível pelo contínuo esforço e envolvimento de várias pessoas e instituições. No seu processo de produção foram incluídos alguns dados já coletados pelo Guia de Centros e Museus de Ciências da América Latina e Caribe, como a descrição dos espaços e os dados de visitação, como endereço, telefone, e horários de funcionamento. Essas informações passaram pela revisão e atualização dos museus e centros de ciências, em 2017, e a elas foram adicionadas as informações sobre acessibilidade coletadas na pesquisa de 2016. Por isso, agradecemos às equipes e instituições responsáveis pela publicação do Guia de 2015 que gentilmente nos disponibilizaram esses dados. Igualmente, somos gratos às pessoas que responderam a pesquisa e cuidadosamente revisaram as informações de suas instituições para esta publicação.
Esperamos, por fim, que este Guia seja um catalisador para o crescimento da discussão na região latino-americana e que impulsione a implementação de mais ações e políticas de inclusão e acessibilidade à ciência e cultura, tanto em âmbito institucional, tanto regional.
Jessica Norberto Rocha
Coordenação do Grupo Museus e Centros de Ciências Acessíveis (MCCAC)
Fundação Cecierj
Luisa Massarani
Diretora da RedPOP
Museu da Vida, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz
[1] Disponível em: http://www.redpop.org/lanzamiento-de-la-guia-de-centros-y-museos-de-ciencia-de-america-latina-y-el-caribe/. Acesso em: 01 de outubro de 2017.
[2] Disponível em: http://www.insor.gov.co/descargar/declaracion_cartagena_politica_discapacidad.pdf Acesso em: 01 out. 2017.
[3] Disponível em: http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/a-65.html.Acesso em: 01 out. 2017.
[4] Disponível em: http://www.oas.org/dil/esp/ag-res_2339_xxxviii-o-07_esp.pdf Acesso em: 01 out. 2017.
[5] Disponível em: http://www.un.org/spanish/disabilities/default.asp?id=497. Acesso em: 01 out. 2017.